Atitudes de professores brasileiros diante da presença do espanhol e do guarani em escolas na fronteira Brasil-Paraguai: Elemento à gestão de línguas
Já passou muito tempo desde o último post publicado aqui. Mas, apresento uma resenha feita para a conclusão do curso de Linguística aplicada ao ensino de língua adicional.
GUARANI EM ESCOLAS NA FRONTEIRA BRASIL-PARAGUAI: ELEMENTO À GESTÃO DE
LÍNGUAS
Isis Ribeiro Berger
Signo y Seña, número 28, 2015, pp. 169-185.
Por Bruna Bechlin
Jovens em contexto escolar conhecem uma língua materna
que, possivelmente, será diferente da língua ensinada nas salas de
aula. Inclusive, parece cada vez menor, em situações de fronteira, ou
não, o número de falantes de apenas uma língua. Se as pesquisas de ensino
de línguas priorizassem somente estudantes monolíngues, possivelmente seriam
poucos os sujeitos a quem se destinariam tais pesquisas.
O artigo escrito por Berger busca apresentar as
relações entre o ensino de línguas e questões políticas e socioculturais na
região fronteiriça de Brasil e Paraguai. O trabalho foi publicado na
revista “Signo y Seña”, do instituto de linguística da UBA (Universidad de
Buenos Aires) e é voltado a quem pesquisa sobre o ensino bilíngue nas regiões
de fronteira. Este artigo é sobre o trabalho de pesquisa que Berger
realizou para conclusão do doutoramento em linguística e nele a linguista
apresenta, especificamente, as atitudes de profissionais de ensino frente
às línguas oficiais do país vizinho (espanhol e guarani). Ela afirma que
profissionais brasileiras, em escolas brasileiras, norteiam suas práticas a
partir da concepção de língua-enquanto-problema e mostra de
que maneira essa concepção de língua influenciam as atitudes de tais
profissionais.
Berger separou seu artigo em quatro partes e vinculou
os capítulos “A pesquisa de campo no ambiente sociolinguístico e
socioeducacional da fronteira ponta Porã-Pedro Juan Caballero” e “Atitudes em
relação à presença do espanhol e do guarani nas escolas brasileiras:
apresentação e discussão” à introdução e conclusão.
Na introdução, Berger apresenta as fundamentações
de sua pesquisa e relaciona seu interesse pelo ensino bilíngue aos estudos de
outras linguistas como Pires-Santos, Dalinghaus e Pereira. Segue-se com a
contextualização histórica das diferenças sociais e econômicas, que
resultam das relações de poder, fortalecidas pelas línguas que estão em
contato (sobretudo, português, espanhol e guarani). Uma nota interessante
do artigo é que as fronteiras são apresentadas como paradoxais: ao mesmo tempo
possibilitam a criação de projetos de integração linguística e
cultural e são propensas aos conflitos. Tal integração resulta
tanto da construção economicamente interdependente da região, quanto pela
inexistência de obstáculos naturais para a migração, aumentando sua
probabilidade. Contraditoriamente, apesar das facilidades para a identificação
entre os sujeitos, os significados de pertencimento, que se destacam nas
relações entre os habitantes e suas línguas, distanciam os indivíduos.
Estes significados atrelados às relações de poder
geram atitudes individuais em relação às línguas com as quais uma pessoa se
confronta. Na escola essa característica é bastante perceptível, pois é o local
onde mais se lida com a linguagem. Um dos assuntos mais importantes do artigo é
o que Berger chama de “gestão de línguas”, como uma das ações da escola a fim
de marcar, ou não, diferenças entre falantes provenientes dos dois países. É,
nas palavras da linguista, “a administração da presença e do lugar das línguas
em dada sociedade ou espaço social por meio de estratégias e/ou práticas
adotadas por sujeitos e/ou grupos que exercem algum nível de autoridade (poder)
intervindo nas relações dos falantes com as línguas” (BERGER, 2015, p. 171). Ou
seja, profissionais da educação, que, por exemplo, utilizam sua autoridade para
flexibilizar ou delimitar os espaços das línguas tendo influência de
orientações político-linguísticas subjetivas. Estas atitudes tratam da resposta
favorável ou contrária a utilização de uma língua de um conjunto de línguas
faladas por um grupo linguístico. Essa resposta é influenciada por fatores
históricos e sociais e, apesar de parecerem individuais, são construídas
socialmente e reproduzidas no cotidiano. A última característica dessas
atitudes é serem formadas por três componentes (cognitivo, afetivo e conativo),
sendo eles, respectivamente, o que se conhece em relação a língua e seu grupo
linguístico, os sentimentos em relação a eles e as possíveis reações diante de
uma língua e seu grupo linguístico.
Finalizando a introdução, Berger apresenta o objetivo
do artigo que é mostrar e discutir as atitudes de profissionais brasileiros de
ensino, frente ao uso das línguas estrangeiras (guarani e espanhol) nas escolas
brasileiras da região de fronteira. No artigo é demonstrado como as atitudes de
tais profissionais, que possuem uma concepção língua-enquanto-problema,
faz parte de uma gestão da língua que contribui para fixar as fronteiras
nacionais.
No segundo capítulo, Berger explicita o objetivo do
artigo de entender o fenômeno “gestão de línguas” e sua relação com a gestão de
fronteiras e em espaços escolares e reafirma as características e condições de
produção da pesquisa realizada, adicionando informações específicas sobre o
Brasil e o Paraguai. Um tema importante, abordado pela linguista são as
maneiras distintas destes dois países lidar com as heterogeneidades entre as
línguas. A autora mostra como, no Brasil, foi implantada uma cultura monolíngue
despreocupada em formar pessoas capazes de interagir em mais de uma língua,
mesmo em situações fronteiriças. De forma diferente, o Paraguai é oficialmente
um país bilingue, sendo o guarani e o castelhano utilizados em práticas
linguísticas cotidianas e em contextos educacionais.
Para terminar esse capítulo, Berger apresenta mais uma
vez a metodologia, explicita sobre os procedimentos que serão realizados, como observações,
questionários e entrevistas, além da pesquisa de documentos oficiais que, entre
outras coisas, permitiu quantificar estudantes bilíngues e indicar as atitudes
linguísticas das escolas.
O terceiro capítulo inicia com uma apresentação do que
irá mostrar a pesquisa realizada e as relações entre as leituras dos relatórios
e as trocas realizadas pelos profissionais do ensino por meio de observações,
questionamentos e entrevistas. A informação sublinhada pela linguista, obtida
da leitura dos relatórios oficiais, é a percepção do espanhol como língua mais
fácil, seguido pelo português, e de longe, por outras línguas, como inglês e
francês. O que é notado, é a falta da língua guarani nesse grupo, uma vez que é
uma língua falada por tal comunidade. Essa falta se dá pelo desconhecimento do
guarani por parte de profissionais, que resistem a tais práticas linguísticas
pelos alunos, chegando até a impedir o uso do guarani no contexto escolar.
Berger continua o terceiro capítulo explicando as
características linguísticas de oito profissionais da educação que participaram
da pesquisa. Ela explica que alguns falavam espanhol e poucos tinham um pequeno
conhecimento do guarani, a linguista também apresenta como tais profissionais
adquiriram os conhecimentos das línguas estrangeiras. Esses dados são
importantes para o conhecimento da relação das pessoas com as línguas
utilizadas naqueles contextos. Em seguida são apresentadas transcrições de
opiniões sobre a presença das línguas estrangeiras na escola, a partir das quais
se pode entender as implícitas atitudes por parte de profissionais da educação,
em relação aos estudantes. Tais transcrições apresentam muitas opiniões
negativas de profissionais em relação a estudantes que “não sabem falar
português”, palavras negativas como “erro”, “dificuldades”, “problemas” e
“reprovação” permitem que se perceba que, para educadores e educadoras, a
convivência das línguas estrangeiras com o português são contraproducentes,
tanto para a simples comunicação entre estudantes, professores e professoras,
quanto para um adequado ensino do português.
Um ponto negativo percebido com a pesquisa/a leitura
do artigo é que tal despreparo dos profissionais, resulta em um número de
reprovações significativo, justificado pelo fato de tais estudantes não falarem
a língua padrão da escola (do país). Berger não concorda com essa opinião, mas
afirma que esse dado mostra uma atitude desfavorável em relação ao bilinguismo
de estudantes. A atitude desfavorável é o preconceito gerado por conflitos a
partir de distintas identidades nacionais e componentes socioeconômicos, então
Berger lança mão de trabalhos de outros linguistas, para explicar esse
fenômeno.
Com a leitura destes outros autores e, também, a
partir de sua própria observação, Berger afirma que é possível perceber que os
falantes de línguas estrangeiras no Brasil adquirem uma insegurança em relação
a sua capacidade linguística e intelectual, além de um receio em relação a sua
origem. Para piorar a situação destes estudantes, os profissionais da educação são
instruídos a trabalhar com uma língua única, sendo a lógica do projeto de nação
brasileira monolíngue e monocultural. Além do ensino de língua focado no
português, estudantes também são proibidos de utilizar suas línguas maternas,
porque tal atitude poderia atrapalhar a aprendizagem da língua nacional. Essa
“gestão de língua” que vigia e proíbe o uso de línguas estrangeiras demarca as
fronteiras entre falantes de diferentes línguas, transformando escolas que
poderiam aceitar o outro em espaços de exclusão e eliminação das diversidades,
tais ações são norteadas pela já mencionada língua-enquanto-problema
(RUIZ, 1984 apud BERGER, 2015).
Para terminar esse capítulo, Berger detalha, de
maneira bastante esclarecedora, como os três fatores apresentados na introdução
(cognitivo, afetivo e conativo) são encontrados no contexto escolar e quais são
os desafios que propõem. O componente cognitivo se relaciona a escola ser um
espaço monolíngue, sobre o qual se estruturam as instituições brasileiras. O
segundo componente, afetivo, reflete em como as pessoas envolvidas no contexto
escolar, principalmente profissionais da educação, se relacionam com as
linguagens encontradas ali. Ou seja, além do “medo” da desestruturação do ideal
monolíngue, a outra característica que desestabiliza profissionais é a
incapacidade de utilizar as línguas estrangeiras, sobretudo o guarani, o que os
faz acreditar que a presença dessas línguas impedirá que a ação docente se
desenvolva completamente. O último componente, conativo, que se relaciona com a
maneira como as pessoas atuam em relação aos falantes de línguas estrangeiras e
a própria língua, é percebido como atitude negativa, manifestado pelo
preconceito, gerado por diferenças socioculturais e econômicas. Tal “gestão da
língua”, constituída pelos três componentes detalhados acima e orientada pela
concepção de língua-enquanto-problema,
limitam a presença de línguas estrangeiras nas escolas brasileiras, tanto nas
fronteiras quanto no interior.
O artigo é finalizado com uma breve retomada das
relações entre pessoas e suas línguas em situações fronteiriças e,
especificamente nos espaços educacionais, com concisas considerações sobre as
atitudes dos membros dessas comunidades. Berger conclui que o objetivo da
pesquisa, de descrever ações de “gestão de línguas” e as atitudes responsivas
dos profissionais de educação das escolas brasileiras, foi alcançado. E essa
descrição aponta que, apesar do convívio entre, ao menos, três línguas nas
escolas das fronteiras entre o Brasil e o Paraguai, profissionais da educação
não estão totalmente dispostos a aceitar essas diferenças, causando
inseguranças linguísticas e identitárias aos estudantes falantes do espanhol e
sobretudo do guarani. Essa falta de profissionais organizados é um obstáculo
para as propostas de integração linguístico-cultural encontradas, cada vez
mais, nas agendas políticas. Por causa do crescente fluxo de culturas e
linguagens percebido, sobretudo, nas escolas, pensar a presença de outras
línguas como uma possibilidade de construir uma sociedade plural é um dos
desafios dos profissionais da educação.
Fonte: Google |
Apesar de fazer uma boa introdução ao tema proposto,
este artigo pouco aprofunda a discussão sobre as atitudes de profissionais de
educação, como sugere o resumo. Pelo contrário, focaliza a descrição das ações
de “gestão de línguas” e das atitudes dos profissionais, relacionando tal
gestão com o conceito de língua-enquanto-problema,
admitindo uma problematização superficial e em segundo plano. A problematização
fica reservada a poucos parágrafos da terceira parte, enquanto a busca por uma
conceituação de “gestão de línguas”, língua-enquanto-problema,
atitudes de profissionais de educação, as características da pesquisa e do
espaço onde fora realizada, para mencionar alguns dos assuntos repetidos em
todos os capítulos, recebem uma atenção extenuante, apesar de tais conceitos
serem percebidos das primeiras vezes que são mencionados. Além disso, a
utilização do termo “gestão” para tratar de algo como a linguagem sugere algo o
suficiente mecânico ou impessoal, estranho ao tema de língua e sujeitos, que
lança mão de recursos suficientemente subjetivos. Um dos pontos positivos do
artigo é sua linguagem clara, que facilita seu entendimento. Enfim, é um artigo
importante para linguistas interessados nas questões de ensino de línguas em
contextos de fronteira.
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