As variações linguísticas em A língua de Eulália

Tivemos algumas aulas sobre o livro A língua de Eulália do Marcos Bagno. Eu e algumas colegas conhecíamos a obra, mas outras não conheciam, então foi importante ser abordada. A maioria da turma apresentou um capítulo oralmente, eu não fui à aula e tive de escrever um comentário que enviei pra professora. Segue o comentário que fiz:

Uma das personagens do livro é baseada na Emília, do sítio.
Fonte: Imagem & ação na sala de aula

As variações linguísticas em A língua de Eulália
Bruna Bechlin

A língua de Eulália é um romance que explica as variantes do português. Trata-se de Vera, Silvia e Emília, três amigas estudantes que visitam o sítio de Irene, tia da primeira, nas férias. O romance começa com duas personagens tirando sarro de quem acreditam que fala errado: Vera afirma que ama Eulália, ex-empregada e colega com quem Irene divide a casa, e utiliza as palavras “amo ela”, logo percebidas por Emília e Silvia que dizem que tal maneira de falar é errada.

As três protagonistas encontram Irene, uma linguísta renomada, que procura mostrar pra elas que não existe maneira errada de falar, apenas maneiras diferentes. Isso acontece porque Silvia e Emília tiram sarro da Eulália que fala “trabaiá”, “os fósfro”, “pobrema”, etc., ou seja, porque Eulália utiliza uma linguagem “não padrão”. Esse é, na realidade, o gatilho que faz as jovens personagens se interessarem pelo assunto de que se trata todo o resto do romance. Emília, fazendo referência a “boneca mal-educada”, até lança um desafio à linguísta: de convencê-la de que Eulália não fala “errado”.

A partir disso, Irene passa as noites encontrando Vera e as amigas para explicar sobre variações linguísticas, que são representadas pelas variações fonéticas (pronúncia), sintáticas (organização de frases), semânticas (significado das palavras) e outras diferenças no uso da língua, resultado das variedades geográficas, regionais, socioeconômicas, etárias, etc. para dizer que, apesar dessas variantes linguísticas parecerem línguas diferentes, tudo é português. O autor apresenta uma analogia, utilizando a personagem Emília, que aponta como as letras de cada pessoa são diferentes, mesmo assim, podem ser lidas e entendidas por outros.

Durante as aulas de Irene, as três amigas aprendem que a norma padrão é apenas mais uma variação escolhida devido a fatores que vão além da linguística e se apoiam em questões culturais, políticas, econômicas e sociais. Por isso “as línguas faladas” no RJ, em SP, por exemplo, são prestigiadas, enquanto as outras, faladas no restante do país, são estigmatizadas (como o “falar caipira”, por exemplo). Desta maneira, o autor desmonta a crença da língua única do país.

Pela voz de Irene, Bagno apresenta sua pesquisa sobre a transformação das línguas. Irene mostra que algumas palavras estigmatizadas, no caso o “falar caipira”, na verdade tem influência do português arcaico e também do inglês, do francês, do italiano... Como a palavra “abêia”, por exemplo, que em francês se escreve “abeille”, mas se pronuncia “abéy”, com isso,Bagnoapresenta e defende a transformação das línguas ao longo do tempo.Então, o autor sugere que palavras que hoje são “corretas”, talvez sejam “erradas” com o passar dos anos e explica que essa transformação ocorre primeiro na fala e depois é “aceita” pela escrita, mais conservada, com sua “pureza” defendida pelos gramáticos. A personagem Irene fala que enquanto a mão se arrasta, a língua voa.


A professora Irene ensina às três jovens e a quem ler o romance que, dadas todas estas explicações de transformações na língua, o preconceito linguístico é infundado, uma vez que as palavras poderão ser transformadas a longo prazo. Que frente a pessoas que utilizam variações da norma padrão, o interessante é respeitar e entender de onde vem tais diferenças. E que profissionais que ensinam o português, principalmente, apesar de apresentarem a quem estuda, a existência e a importância de usar a norma padrão em contextos que a exigem, não devem tratar quem utiliza línguas variantes como incapazes, nem com desmerecimento. Afinal, os fenômenos da língua são complexos e precisam ser difundidos, para que sejam entendidas as lógicas e regras escondidas em cada variante linguística.

Fonte: Letras em foco

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